A IMPORTANCIA BIO E PSICOSSOCIAL DO ALEITAMENTO MATERNO

Em pesquisa realizada na clínica psicanalítica nesta última década do século XXI, percebe-se a uma inabilidade social na interpretação da necessidade do aleitamento materno.

Profa. Dra. Sônia Grácia Pucci Medina

2/23/202512 min read

Willow Tree woman carrying baby figurine
Willow Tree woman carrying baby figurine

Duas principais queixas fundamentam esta pesquisa; a primeira de que “o meu marido não quer sua mulher com peito caído, o peito é somente dele” e a segunda “eu preciso ter resguardada os meus desejos de ser mãe e ter assegurada a maternagem”.

"Giugliani 1 (2004) afirmou que a promoção da amamentação não requer apenas conhecimentos anatômicos, bioquímicos e fisiológicos, requer também, em reconhecer a possibilidade de decidir das mulheres envolvidas, saber ouvir e aprender, desenvolver confiança e dar apoio. Já Resende 2 et al (2002) disseram que os profissionais de saúde para poder transmitir confiança à mãe – nutriz, é preciso que tenham acesso a todos os conhecimentos técnicos disponíveis para orientá-las e para o sucesso da amamentação, é necessário que os profissionais a vejam como pessoa, que tenham respeito por essa nova situação da mulher, das dificuldades e dos problemas."

O aleitamento materno deve ser exclusivo até os seis meses de vida do infante, complementar e continuado até os dois anos de vida.

"O desmame precoce e a alimentação artificial têm se tornado hábitos comuns em período de lactação da criança, levando ataxas muitas vezes elevadas de morbimortalidade infantil nos primeiros anos de vida. Por isso, não é recomendado à introdução de outro tipo de alimentos, nem mesmo água, durante o período de AME – aleitamento materno exclusivo 3 . Destaca – se que os principais motivos alegados pelas mães para justificar o desmame são: a necessidade de trabalhar fora do lar, ter pouco leite ou considerar leite fraco, o bebê não querer mais mamar, o leite secar, e problemas relacionados as mamas."

A partir destes referenciais, a busca pelo seio materno deve ser instrucional e materna. Os pais podem e devem ser inseridos no processo de aleitamento como colaborador e incentivador de um constructo equilibrado da vida do infante e jamais competidores.

O ato de amamentação propicia o contato físico entre mãe e bebê, estimulando pele e sentidos. Se a amamentação é feita com amor e carinho, sem pressa, o bebê não só sente o conforto de ver suas necessidades satisfeitas, mas também sente o prazer de ser segurado pelos braços de sua mãe, de ouvir sua voz, sentir seu cheiro, perceber seus embalos e carícias. Logo, ao estabelecer esse vínculo entre mãe e filho, há compensação do vazio decorrente da separação repentina e bruta que ocorre pós-parto, corrigindo fantasias prematuras frustrantes que o parto possa lhe ter causado como abandono, agressão, ataque e fome.

Os aspectos psicológicos do aleitamento materno estão relacionados ao desenvolvimento da personalidade do indivíduo. As crianças que mamam no peito tendem a ser mais tranquilas e fáceis de socializar-se durante a infância.
As experiências vivenciadas na primeira infância são extremamente importantes para determinar caráter do indivíduo quando adulto.

A sucção, deglutição e respiração, funções primárias do bebê, são desenvolvidas através de uma correta forma de amamentação, devendo constituir um sistema equilibrado. Mamar não supre apenas a necessidade de alimentação, satisfazendo duas fomes a fome de se nutrir, de se sentir alimentado, como também a "fome" de sucção, que envolve componentes emocionais, psicológicos e orgânicos. Essas duas "fomes" devem estar em equilíbrio, caso contrário, a necessidade de sucção pode não ser alcançada, causando uma insatisfação emocional, e assim a criança buscará substitutos como dedo, chupeta, ou objetos, adquirindo hábitos deletérios.

No ato de amamentar, a criança estimula um exercício físico contínuo que propicia o desenvolvimento da musculatura e ossatura bucal, proporcionando o desenvolvimento facial harmônico. Isso direciona o crescimento de estruturas importantes, como seio maxilar para respiração e fonação, desenvolvimento do tônus muscular, crescimento anteroposterior dos ramos mandibulares, anulando o retrognatismo mandibular. Além disso, ele impede alterações no sistema estomatognático, a saber: prognatismo mandibular, musculatura labial superior hipotônica, musculatura labial inferior hipertônica, atresia de palato, interposição de língua e atresia do arco superior e evita maloclusões, como mordida aberta anterior, mordida cruzada posterior e aumento de sobressalência.

A amamentação proporciona à criança uma respiração correta, mantendo uma boa relação entre as estruturas duras e moles do aparelho estomatognático e proporciona uma adequada postura de língua e vedamento de lábios. Além disso, associada ao mecanismo de sucção, desenvolve os órgãos fonoarticulatórios e a articulação dos sons das palavras, reduzindo a presença de maus hábitos orais e de patologias fonoaudiológicas.

O desenvolvimento da articulação temporomandibular (ATM) durante o período em que os dentes ainda não erupcionaram também está relacionado à amamentação. Essa articulação fica prejudicada se houver um menor esforço muscular para extrair alimento, como na amamentação artificial, causando uma anulação da excitação da ATM e da musculatura mastigatória do recém-nascido.

A mãe é considerada a principal fonte de microrganismos importantes para o estabelecimento da microbiota digestiva da flora do recém-nascido tanto no parto quanto na amamentação, através do colostro e do leite humano, que oferece condições nutricionais (fatores de crescimento) favoráveis para essa implantação. A fase de colonização é crítica, pois uma implantação anormal pode acarretar uma microbiota menos eficiente nas suas funções. Esse fato pode estar correlacionado à formação de fezes menos consistentes através do crescimento de microrganismos, como os lactobacilos, que ajudam na digestibilidade de lipídeos e fermentam açúcar do leite materno no intestino, fato que vem impedir a instalação de outras bactérias que atuariam evitando diarreia e consequente desnutrição. As propriedades antiinfectivas do colostro e do leite materno manifestam-se através dos componentes solúveis (IgA, IgM, IgG, IgD, IgE, lisozimas, lactobacilos e outras substâncias imunorreguladoras) e componentes celulares (macrófagos, linfócitos, granulócitos, neutrófilos e células epiteliais). As infecções comumente evitadas são: diarreia, pneumonia, bronquites, gripe, paralisia infantil, infecções urinárias, otite, infecção no trato intestinal. Além disto, a amamentação no primeiro ano de vida pode ser a estratégia mais exequível de redução da mortalidade pós-neonatal oriunda das infecções.

O leite materno propicia à criança ferro em alta biodisponibilidade e proteção contra infecções, condições essas protetoras da anemia. Independente das causas que determinam o estado anêmico, associa-se ao mesmo graves prejuízos para o desenvolvimento cognitivo e motor da criança e para o seu futuro aproveitamento escolar. Além disso, há interferência nos processos de crescimento e desenvolvimento da criança com prejuízo de desenvolvimento mental, motor e de linguagem; alterações comportamentais e psicológicas como falta de atenção, fadiga, insegurança e diminuição da atividade física.

A icterícia precoce, por discreta imaturidade do fígado, pode ocorrer em neonatos, onde a alta concentração de leite e colostro ajuda eliminar o mecônio pelas primeiras fezes estimulando o desaparecimento da cor. As doenças atópicas como alergias podem ser desencadeadas pelo contato com o leite de vaca. Logo, crianças que possuem esse risco hereditário buscam através de dietas restritivas e outras medidas preventivas, como o aleitamento natural, fazer uma profilaxia da doença.

Os benefícios da amamentação natural não atingem a criança apenas quando bebê, podendo as vantagens se estender para sua saúde futura. Crianças amamentadas por certo período de tempo têm taxa de infecção por parasitas reduzidas, visão melhor aos 4 meses e aos 36 meses e três vezes menos a presença de xeroftalmia. Na fase adulta, a presença de amamentação quando bebê está relacionada à diminuição de risco para doenças cardiovasculares, redução ou adiamento do surgimento de diabetes em indivíduos susceptíveis, risco reduzido de desenvolver câncer antes dos 15 anos por ação imunomoduladora fornecida pelo leite e metade do risco de disfunção neurológica.

Um pequeno, porém, detectável aumento na habilidade cognitiva e desempenho escolar da criança está associado ao aleitamento natural, fato esse concluído em 70% de estudos sobre esse tema. Isto está associado à presença marcante de ácidos graxos de cadeia longa no leite materno. Eles são essenciais ao desenvolvimento cognitivo de crianças que nasceram prematuras, as quais apresentaram QI mais elevado que quando comparados àquelas que se alimentavam de fórmulas.

Benefícios para a mãe

Para a mulher, a amamentação tem papel importante sob vários aspectos. Ao amamentar, o instinto maternal é satisfeito e supre a separação abrupta ocorrida no momento do parto, que pode causar até depressão, amenizada pela formação de um "cordão psíquico" duradouro até o desmame progressivo.

A satisfação no instinto sexual da mãe tem sido relacionada a esse ato devido a respostas da lactação serem semelhantes às do coito na estimulação da contratilidade uterina e ao aumento do interesse sexual pós-parto.

A redução de estresse e mau humor tem sido relatada por mães após as mamadas. Este efeito é mediado pelo hormônio ocitocina, que é liberado na corrente sanguínea durante a amamentação em altos níveis. Além disso, a sensação de bem-estar referida pela lactante no final do tempo da mamada deve-se também à liberação endógena de beta-endorfina no organismo materno.

O início da liberação da ocitocina começa na hora do parto para a promoção da contração uterina. Sua ação é continuada e potencializada no ato da amamentação pela estimulação que a sucção causa sobre a hipófise. A descarga de hormônio que ocorre reduz o tamanho do útero, libera a placenta, diminui o sangramento pós-parto, causa atraso da menstruação e consequente prevenção à anemia.

No período em que não começa a menstruação, enquanto a mulher amamenta exclusivamente, a proteção quanto à gravidez fica em torno de 98% nos primeiros seis meses e depois cai para 96%. Nesse período, as mulheres estão aplicando uma técnica de planejamento familiar extremamente segura chamada LAM Método de Amenorréia Lactacional que assegura o espaçamento entre gestações desde que a amamentação seja exclusiva e em livre demanda.

Os benefícios relacionados à mulher após a amamentação são vários: a forma física retorna ao peso pré-gestacional, menor risco de desenvolver artrite reumatoide, risco reduzido de osteoporose aos 65 anos e menor probabilidade de desenvolver esclerose múltipla.

Em relação aos diversos tipos de câncer, amamentar por no mínimo dois meses reduz o risco de câncer no epitélio ovariano em 25%; de 3 meses a 24 meses é um dos principais fatores protetores do câncer de mama que ocorre antes da menopausa, além de estabilizar o progresso da endometriose materna diminuindo o risco de câncer endometrial e de ovário.

Conhecimento das mães e relação amamentação/Sistema Único de Saúde SUS

As crenças e os tabus fazem parte de uma herança sociocultural, determinando diferentes significados do aleitamento para a mulher. A decisão de amamentar ou não o seu bebê depende da importância atribuída a esta prática que frequentemente é fundamentada nas informações transmitidas culturalmente através do relacionamento avó-mãe-filha.

A substituição da amamentação e do leite materno por produtos industrializados apresentou uma fase de declínio no início do século XX. As estratégias de "marketing" para a implantação de fórmulas sempre se concentraram na conveniência da mamadeira e do leite em pó, enfatizando o ponto de vista da mulher liberdade para manter uma vida social ativa, participação do marido na alimentação. Logo, nos anos 70, auge do declínio da prática da amamentação, houve piora das condições de saúde materna infantil e, como consequência, campanhas foram organizadas e o aleitamento voltou a ser estimulado nas décadas subsequentes, nas quais houve aumento lento, no entanto crescente.

Para proteger o aleitamento materno quanto às estratégias de marketing não éticas, a OMS, em 1981, recomendou aos países a adoção doCódigo Internacional de Marketing dos Substitutos do Leite Materno. O cumprimento deste código, visto nos estudos de Rea e Toma, objetivou evitar o estabelecimento da relação profissional-indústria e conflitos de interesses pessoais (financiamento direto aos profissionais, aceitação de presentes, patrocínios e incentivos individuais) para a prescrição dos substitutos do leite materno.

A partir da década de 80, a OMS e o Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF direcionaram esforços para a instituição de uma política de incentivo àamamentação. Nesse contexto, insere-se a publicação do texto Proteção, promoção e apoio ao aleitamento materno: o papel dos serviços de saúde, que apresenta os Dez passos para o sucesso do aleitamento materno e, posteriormente, o lançamento da Iniciativa Hospital Amigo da Criança IHAC. A IHAC propõe rotinas hospitalares facilitadoras do aleitamento materno. Venâncio em estudo mostra que tal instrumento, além de ser útil para a orientação de condutas dos profissionais de saúde quanto ao manejo do aleitamento materno, foi também capaz de fornecer um diagnóstico sobre a frequência de diferentes tipos de problemas da amamentação no pós-parto imediato.

Todavia, estudos comparativos de épocas mais recentes com a década de 80 relatam manutenção da prevalência da amamentação. No Brasil, de forma geral, houve importante melhora nos índices de aleitamento materno após este período, chegando à estabilização em certos locais; no entanto, não houve uniformidade em todo o território nacional. Apesar da tendência ascendente da prática da amamentação no país, ainda está longe do cumprimento da recomendação da OMS, de amamentação exclusiva até o sexto mês de vida e a continuidade do aleitamento materno até o segundo ano de vida ou mais. O desmame precoce segue sendo um desafio para os profissionais que atuam com a saúde materno-infantil.

Os benefícios que a amamentação delega ao bebê são reconhecidos não importando raça, condição social ou econômica. As diversas atribuições do leite materno fazem com que os mesmos considerem-no o mais natural e desejável método de alimentação infantil no que diz respeito aos aspectos fisiológicos, físicos e psicológicos. Assim no Brasil, país no qual observam enormes discrepâncias sociais, o aleitamento materno surge como elemento importante, não só sob esse ponto de vista, mas também do econômico.

As mães verbalizam amplamente a importância da prática da amamentação, ainda que nem todas saibam expor os benefícios que o leite materno traz para seus filhos e para si mesma. Segundo Pereira et al, os aspectos sobre amamentação menos conhecidos por mães entrevistadas em programas pré-natais foram: a importância do colostro, o estímulo da sucção do seio pelo bebê para a produção do leite materno, as situações em que a mãe não deve amamentar (AIDS), a relação entre dieta materna e amamentação e os benefícios da lactação para a mãe, denotando falha no sistema de saúde quanto à universalização das informações sobre aspectos de fundamental importância.

A questão do desmame precoce também traz à tona a situação das mulheres trabalhadoras. As regras preconizadas pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) garantem uma série de benefícios trabalhistas de proteção à mulher grávida e lactente, tais como garantia de emprego, licença maternidade remunerada, creche e pausas para amamentar. Além disso, Rea et al, ao descrever o padrão do trabalho de mulheres da indústria de São Paulo, mencionam outros aparelhos sociais de suporte fundamentais para que a manutenção da lactação seja facilitada, tais como: permitir a proximidade mãe-criança e/ou a retirada periódica de leite materno durante a jornada de trabalho.

Outras alegações são discutidas na literatura: falta de experiência materna; fardo ocasionado pela amamentação frente às atividades desempenhadas cotidianamente; inadequação entre suas necessidades e as da criança; interferências externas de familiares, amigos e demais interações; trabalho materno; solidão e isolamento da mulher-mãe e a necessidade de obter apoio para a execução da amamentação. As mães sentem-se culpadas por não amamentarem e não são preparadas para conhecer esse processo básico de vida. Por isso, precisam de ajuda e principalmente informação. O apoio referido seria além da atuação do setor de saúde, aparelhos sociais de suporte à maternidade e o núcleo familiar.

As mulheres em seus discursos costumam relatar a banalização do seu sofrimento pela equipe de saúde, principalmente enfermeiras, que não possibilita o apoio necessário à mulher e se configura num dos fatores do desmame. Neste caso, podemos enfatizar a necessidade do treinamento do profissional de saúde que lida precocemente com a mãe através de treinamentos.

Desse modo, o SUS como provedor de um processo social em construção permanente deve promover contínua discussão sobre como se implementar políticas de saúde relacionadas à amamentação.

O profissional de saúde deve estar inserido no SUS atuando em nível central ou distrital, em equipe interdisciplinares, no planejamento de políticas públicas saudáveis e no desenvolvimento de ações de vigilância da saúde da comunidade que venham promover a prática da amamentação.

O cirurgião dentista entra nesse contexto devendo estar capacitado a exercer uma prática que atenda ao SUS, sendo necessário uma readequação dos cursos de odontologia para formar profissionais para atuarem neste sistema.

A Carta de Ottawa já postulava que os profissionais de saúde deveriam ter suas atribuições direcionadas à combinação de estratégias como fortalecimento de ações comunitárias, estabelecimento de políticas públicas saudáveis, desenvolvimento de habilidades pessoais, criação de ambientes saudáveis e reorientação a serviços de saúde.

O conceito de promoção de saúde vem se modificando nos últimos anos, propondo a articulação de saberes técnicos e populares, mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos e privados, na busca de qualidade de vida da população. Assim, os profissionais de saúde são responsáveis pela promoção de saúde da população; entretanto, é necessário que os cidadãos assumam a responsabilidade pela defesa de sua própria saúde e da coletividade.

O SUS deve identificar os problemas dos diferentes grupos populacionais do território nacional, visto a grande diversidade que há no Brasil, atuando em equipes multidisciplinares com participação de líderes locais.

Artigo escrito por:
Profa. Dra. Sônia Grácia Pucci Medina
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